Demandas judiciais por vícios construtivos têm se tornado cada vez mais comuns no mercado da construção civil. Incorporadoras, construtoras e empresas de engenharia são acionadas com frequência para responder por alegados defeitos estruturais ou funcionais em imóveis recém-entregues.
Um ponto crítico nesse tipo de litígio diz respeito à distribuição do custo da perícia judicial: quem deve arcar com os honorários técnicos quando há alegação de relação de consumo?
Inversão do ônus da prova: o que isso significa — e por que não altera a responsabilidade pelo pagamento da perícia
É comum que, nas Ações de vícios construtivos, o autor da ação alegue ser um consumidor e peça ao juiz a chamada inversão do ônus da prova— ou seja, que a responsabilidade por apresentar provas seja transferida da parte que fez a acusação (o consumidor) para quem está sendo acusado (a empresa).
A justificativa para esse pedido costuma ser a “hipossuficiência técnica”, isto é, a suposta desigualdade de conhecimento ou recursos entre consumidor e construtora/incorporadora.
Essa previsão encontra respaldo no art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), que autoriza a inversão do ônus da prova quando houver verossimilhança na alegação ou hipossuficiência do consumidor.
Contudo, a jurisprudência tem reiterado que essa inversão não é automática e, mesmo quando concedida, não significa que a empresa tenha que pagar pela perícia técnica.
A responsabilidade pelo adiantamento dos honorários periciais permanece disciplinada pelo Código de Processo Civil (art. 95 da Lei nº 13.105/2015), segundo o qual a parte que requer a prova técnica deve, em regra, arcar com seu custo.
Em decisão recente, a Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) acolheu o recurso de uma incorporadora, afastando a obrigação de adiantamento da perícia, mesmo diante da inversão do ônus da prova concedida ao autor.
No caso, o juízo de origem havia determinado que a incorporadora custeasse os honorários periciais com base na aplicação do CDC.
A defesa da empresa, de forma técnica, demonstrou que:
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Não havia pedido de justiça gratuita;
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A alegação de hipossuficiência não veio acompanhada de comprovação documental;
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A perícia beneficiava exclusivamente o autor da ação, sendo ele o responsável pelo seu adiantamento, conforme o artigo 95 do CPC.
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Esse entendimento do TJDFT não é isolado. Diversos julgados têm consolidado a compreensão de que:
A inversão do ônus da prova não tem o efeito de também inverter a obrigação pelo pagamento da perícia e obrigar a parte contrária a arcar com o adiantamento das custas da prova requerida pelo consumidor. (Acórdão 1438466 – TJDFT)
Boas práticas: como o jurídico da incorporadora conseguiu esse resultado
O êxito da incorporadora no TJDFT foi possível graças a uma postura processual ativa, fundamentada nas seguintes boas práticas:
- Apresentação de pedido de ajustes à decisão de saneamento, que atribuiu o custeio da perícia à Incorporadora;
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Impugnação imediata da decisão que impunha o adiantamento à empresa, por meio de recurso próprio;
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Fundamentação amparada nos julgados recentes e argumentação centrada no Código de Processo Civil (art. 95);
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Cuidado com a clara separação entre os efeitos da inversão do ônus da prova e os critérios de responsabilidade financeira processual;
O que empresas do setor precisam observar daqui em diante
As empresas que atuam no setor da construção ou incorporação imobiliária, aprendendo com o caso e seus jurídicos envolvidos em Ações dessa natureza devem ter atenção aos seguintes pontos:
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A inversão do ônus da prova não transfere automaticamente o custo da perícia técnica (art. 95, CPC);
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Alegações de hipossuficiência precisam ser comprovadas, e a ausência de pedido de gratuidade de justiça pesa contra o autor;
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O jurídico da empresa deve acompanhar o processo desde os atos iniciais, com atenção redobrada às decisões interlocutórias;
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A gestão do contencioso também é gestão financeira: assumir indevidamente custos processuais impacta diretamente a saúde do negócio.
Estratégia, tempo de resposta e argumentação bem fundamentada fazem toda a diferença.
Para incorporadoras e construtoras, tratar a fase inicial do processo com precisão jurídica pode evitar custos indevidos, inclusive aqueles que, muitas vezes, são assumidos automaticamente por desconhecimento.
O que se viu no julgamento analisado é que decisões processuais tomadas nos primeiros atos da demanda — muitas vezes negligenciadas — podem definir não apenas o desfecho, mas também o custo de todo o processo.