Empresas e comércios que operam em lojas térreas com entrada independente, rede de água e energia autônomas e sem qualquer utilização das áreas comuns de um condomínio frequentemente se deparam com um impasse: devem arcar com o rateio de despesas condominiais gerais, como limpeza, conservação e iluminação das áreas comuns?

A controvérsia: independência física versus obrigação legal

Mesmo quando a unidade comercial não usufrui de elevadores, áreas de lazer, corredores internos ou portarias, a convenção condominial geralmente impõe a cobrança proporcional a partir da fração ideal do imóvel. Isso levanta uma dúvida legítima: é possível contestar essa cobrança judicialmente?

A resposta não é simples — e depende de uma análise jurídica e estratégica muito bem fundamentada.

TJDFT é conservador: maioria das decisões rejeita a tese de exoneração

No âmbito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), a tese de exoneração da cobrança por rubricas como limpeza e energia das áreas comuns não encontra ambiente receptivo.

Levantamento recente de jurisprudência revelou que mais de 85% das decisões das Turmas Cíveis do TJDFT são desfavoráveis à exclusão de despesas para unidades com entrada independente, mesmo que não utilizem os serviços compartilhados​.

A fundamentação costuma seguir o princípio de que, mesmo não utilizando diretamente a estrutura, o proprietário ainda é parte do condomínio, e, por isso, deve contribuir com as despesas comuns conforme previsto na convenção registrada.

Mas o STJ tem demonstrado maior abertura à tese — e isso faz toda a diferença

Em contraste, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem proferido decisões mais sensíveis à realidade prática das unidades térreas autônomas. O entendimento vem se consolidando no sentido de que, quando há prova robusta de que a unidade não utiliza nem se beneficia das áreas comuns, é possível sim rever as rublicas impostas às empresas no rateio, com base no artigo 1.340 do Código Civil.

Esse artigo prevê que as despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo devem ser arcadas apenas por quem as utiliza.

Prevaleceu essa linha, por exemplo, no REsp 1652595/PR e no AREsp 2105164/SP, onde o STJ reconheceu a possibilidade de revisão do rateio condominial e vedou o enriquecimento sem causa dos demais condôminos​.

Mais recentemente, no caso analisado no AREsp 2804544/GO, o ministro Marco Buzzi decidiu em favor de unidade comercial térrea com entrada e funcionamento independentes, determinando que o condômino só deve contribuir pelas despesas relativas às áreas das quais efetivamente se beneficia​.

Caso real: escola de idiomas e a difícil decisão sobre a judicialização

Um exemplo concreto pode ilustrar os riscos e cuidados dessa estratégia jurídica.

Uma escola de línguas em funcionamento em uma unidade comercial no térreo de um condomínio residencial, buscava excluir-se da cobrança por limpeza e serviços comuns.

Mesmo com entrada independente e infraestrutura separada, a unidade vinha arcando com mais de R$ 29.000,00 por ano em despesas que não utilizava diretamente.

Após análise jurídica minuciosa, verificou-se que, embora o STJ seja mais sensível à tese, a jurisprudência local (TJDFT) continua amplamente contrária à exoneração​.

A recomendação, portanto, foi clara: qualquer ação judicial nesse sentido deve nascer com uma estratécia recursal própria, desde o início.

Ação deve nascer mirando no recurso: provas técnicas e cotejo jurisprudencial desde a petição inicial

Empresários que pretendem seguir por esse caminho precisam entender que não basta alegar que não usam a área comum — é necessário provar.

A petição inicial deve estar rigorosamente instruída, contendo:

  • Laudo técnico de vistoria comprovando a independência da entrada e das redes elétrica e hidráulica;

  • Registro fotográfico da ausência de uso das áreas comuns;

  • Plantas da unidade e da edificação, com esquemas elétricos e hidráulicos, se houver;

  • Comparativo com precedentes do STJ, especialmente os casos que envolvam entrada independente, ausência de uso das áreas comuns e autonomia estrutural;

  • Citação explícita do artigo 1.340 do Código Civil e fundamentação doutrinária.

Importante: não se trata apenas de propor uma ação, mas de preparar um processo com estrutura recursal, já mirando a possibilidade de levar o tema ao STJ

Conclusão: risco relevante, retorno potencial

A tese da exoneração de rubricas condominiais para lojas térreas independentes é juridicamente viável quando bem fundamentada e estrategicamente conduzida. O risco de improcedência nas instâncias locais ainda é alto, especialmente no DF.

Por isso, a decisão de judicializar deve ser tomada com base em:

  • Análise de risco personalizada;

  • Documentação técnica robusta;

  • Projeção de custo-benefício financeiro a longo prazo.

Ao mesmo tempo, o cenário abre espaço para negociação extrajudicial bem fundamentada, apresentando ao condomínio uma solução alternativa que evite custos processuais para ambos os lados.

Se você é empresário ou gestor de unidade comercial em condomínio e se vê nessa situação, podemos auxili’ Cada detalhe pode mudar o rumo da discussão — e o seu orçamento anual.

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Embora o contexto local ainda não seja favorável à exclusão de despesas condominiais para unidades térreas independentes, o movimento jurisprudencial no STJ abre caminho para estratégias jurídicas mais sofisticadas e potencialmente bem-sucedidas.

Quando bem conduzidas, essas iniciativas deixam de ser apenas uma disputa judicial e passam a integrar a própria gestão patrimonial das empresas envolvidas.

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